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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A análise da psicologia sobre os valores e comportamentos que nos invadem nesta época do ano


Espírito de Natal

A análise da psicologia sobre os valores e comportamentos que nos invadem nesta época do ano

Habituámo-nos, desde pequenos, a esperar pelo último mês do ano e a sonhar com o Natal, nem que fosse pela expectativa de abrir os presentes.

Mas, e se não houvesse Natal? Sim, se o Natal fosse apagado das nossas agendas, da nossa memória, das nossas referências culturais e espirituais?

Seriamos nós mais áridos e menos stressados do ponto de vista emocional e psicológico?

Nesta frenética contagem decrescente para o dia 25, do último mês de todos os anos, alguma vez pensou nisso? Talvez não, mas alguns americanos já reflectiram sobre o tema e, segundo um inquérito divulgado pela revista Newsweek, são muitos os que defendem que esta é uma época basilar para a existência e prática de alguns valores, que vários estudos confirmam até ter efeitos positivos práticos em termos do nosso bem-estar, da nossa saúde mental e até da nossa saúde física, nomeadamente cardiovascular.

Vamos a números. Cerca de 61% dos inquiridos estão convictos que, se Cristo não tivesse existido, seríamos menos bondosos. Perto de 47% não têm dúvidas de que haveria mais guerra, 66% garantem que a caridade estaria em decadência e 58% dizem que haveria menos tolerância. Concorde-se ou não com as respostas, podemos juntá-las e sintetizá-las numa só expressão: espírito de Natal. Este foi tema da conversa que tivemos com Vítor Rodrigues, psicólogo.

A metáfora

Ponhamos de parte as nossas convicções religiosas e a hiperactividade consumista em que mergulhamos por esta altura, que provoca anualmente situações de ansiedade e stress, para interpretar o espírito de Natal, do ponto de vista simbólico, através dos olhos da psicologia.

«O nascimento de Cristo pode ser encarado como o símbolo da expansão da alma humana, do interior do ser humano. Nesse sentido, o Natal é uma época de optimismo e generosidade», refere Vitor Rodrigues.

O psicólogo afirma ainda que «o nascimento de Cristo acontece num local humilde e recatado que simboliza o trabalho interior profundo do ser humano em busca da sua própria alma. A gruta e o parto, que implica calor, recato e recolhimento, podem ser interpretados da seguinte forma. Para o ser humano se encontrar a si mesmo, no seu princípio espiritual mais profundo, tem de recolher-se interiormente», analisa Vítor Rodrigues.

O que acontece na prática? Vivemos a antítese do princípio da introspecção. De acordo com o psicólogo, «embora muitas pessoas consigam preservar o espírito de Natal, o ambiente actual é espaventoso, de exterioridade e opulência». Onde o stress encontra o ritmo ideal para se instalar, com todos os efeitos nocivos para a saúde que este problema acaba por gerar e que, em muitos indivíduos, acabam por se acentuar nesta altura.
Stress natalício

Tempo de interioridade. Assim se pode traduzir o Natal no seu estado mais puro. No entanto, como refere Vítor Rodrigues, «em boa medida não se está a tornar uma época de maior generosidade, de humildade ou dádiva pura, mas de interesse e stress. Por debaixo da aparente dádiva há muita frustração e sensação de território invadido». Aliás, segundo um inquérito realizado pela American Psychological Association, questões ligadas ao dinheiro estão no topo da lista de motivos que mais stress causam nesta fase do ano, destacando-se também a pressão para comprar prendas, falta de tempo e endividamento com o cartão de crédito.

O primeiro passo para não nos deixarmos contagiar por esta pressão é, contudo, mais simples do que possamos pensar: tomar consciência do que está a acontecer, «o que implica sabermos filtrar os estímulos excessivos a que estamos sujeitos», defende o psicólogo. Este despertar pode ser conseguido, nomeadamente através do recurso a técnicas de interiorização, meditação e relaxamento. A esta estratégia junte ainda o planeamento de objetivos realistas, passe a encarar esta fase do ano como uma oportunidade para se (re)ligar à família e amigos, e ouça atentamente e dê feedback às suas próprias necessidades e sentimentos.

Vantagens do amor

Falemos agora de generosidade, um valor exultado nesta época e muitas vezes confundido com a febre dos presentes. Como nos lembra Vítor Rodrigues, «a generosidade é um dos comportamentos típicos do amor. Implica dádiva, implica irmos ao encontro do outro, tentar compreendê-lo e perceber o que ele precisa».

Mas sabia que não são só os outros que ganham quando somos generosos? Estudos científicos têm vindo a comprovar que a prática do amor, na qual se insere a generosidade, promove não só o equilíbrio psicológico como o físico.

Segundo o psicólogo, «há muito que temos a noção de que a privação do amor tem efeitos absolutamente devastadores na formação e equilíbrio do ser humano e sabemos que o amor, quando recebido e partilhado no seio de uma família, promove autoconfiança e a capacidade de autoafirmação. Agora também se sabe que o amor melhora a saúde física. Está demonstrado que passar cinco minutos a sentir ou a pensar em amor podem fazer com que o sistema imunitário atue de forma mais eficaz durante várias horas».

Recompensa do perdão

Outro valor subjacente a esta época é a boa vontade, o perdão. E mais uma vez, não são apenas os outros que beneficiam do facto de sermos capazes de os perdoar. Possivelmente é quem perdoa quem tem mais a ganhar. Como refere Vítor Rodrigues, «o perdão representa um processo necessário à liberdade do espírito humano e à expansão da sua consciência. Se não perdoamos os outros (ou a nós próprios) ficamos aferrolhados à nossa memória, a
ressentir-nos perante acontecimentos passados e isso aprisiona-nos».


Estagnamos. Não evoluímos. Calculamos que por esta altura esteja a pensar «pois sim, tudo isto é muito lindo mas como é que, na prática, se pode perdoar outra pessoa?», questiona o especialista. Não vamos afirmar que seja fácil, mas digamos que o ato de perdoar passa por uma espécie de processo de transferência.

Segundo o psicólogo, implica «compreender que o outro é muito mais parecido connosco do que a nós nos parece. Temos de ter a coragem de mergulhar no nosso interior e de encontrar aqueles aspetos mais obscuros que, com as circunstâncias apropriadas, se crescessem ou se se exteriorizassem podiam fazer de nós iguais (ou piores) às pessoas a quem não perdoamos». Vá lá, este Natal pelo menos experimente pôr-se na pele do outro.

Ciência dos valores

Há motivos científicos para perdoarmos, sermos generosos, altruístas e gratos. Durante todo o ano, claro!

Perdão

O ato de perdoar diminui a intensidade da raiva, o ressentimento, a hostilidade e a mágoa, melhorando simultaneamente a saúde e atuando positivamente ao nível das perturbações mentais. Contrariamente, sermos incapazes de perdoar impulsiona o stress, o que por seu turno afeta o sistema imunitário e cardiovascular.

Estudos, realizados em indivíduos com dores de costas crónicas, demonstraram que aqueles que perdoam sofrem dores de menor intensidade, menos depressão ou raiva. Saber perdoar é também uma chave para um casamento feliz.

Gratidão

De acordo com uma investigação conduzida pela Universidade da Califórnia, nos EUA, a gratidão torna-nos mais saudáveis, inteligentes e enérgicos. Estudos desenvolvidos por um professor de psicologia desta universidade demonstram que as pessoas que são gratas praticam exercício físico com maior regularidade, sentem-se mais satisfeitas com a sua vida e são mais optimistas em relação a um futuro próximo. Mas não só. Estes indivíduos revelam maiores níveis de alerta, entusiasmo e determinação.

Altruísmo


Existe uma forte relação entre o bem-estar, a felicidade, a saúde e a longevidade de quem adopta um comportamento altruísta, desde que isso não signifique ficar sufocado por tarefas relacionadas com os outros. Segundo um estudo a Cornell University, a prática de voluntariado, um dos melhores exemplos de generosidade e altruísmo, aumenta os níveis de auto-estima e de energia física e psíquica. Sentimentos positivos que, por seu turno, têm a capacidade de impulsionar e de fortalecer o nosso sistema imunitário.

 

Autores:


Texto: Nazaré Tocha com Vítor Rodrigues (psicólogo clínico)

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